Para sobrevivente da bomba atômica, idade não é barreira para aprender inglês
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Para sobrevivente da bomba atômica, idade não é barreira para aprender inglês

    NHK World Correspondent
    Iida Kunihiko insiste que a idade não é uma barreira para aprender inglês. E o homem de 81 anos tem a fonte de motivação mais profunda. Ele sobreviveu ao bombardeio atômico de Hiroshima e quer compartilhar diretamente, com o maior número de pessoas possível, a tragédia que vivenciou.

    Iida tinha apenas 3 anos em 6 de agosto de 1945, o dia em que sua vida mudou para sempre. Ele morava na cidade natal de sua mãe, Hiroshima, depois que seu pai foi morto na guerra em Okinawa. A casa deles se situava a apenas 900 metros do hipocentro.

    A explosão fez com que sua mãe e irmã perdessem os cabelos e a pele. Seus corpos ficaram pretos, e ambas morreram de necrose.

    “Por um tempo, minha mãe ainda respondia quando eu gritava”, diz ele. “Mas então ela parou, por mais que eu tentasse. A bomba atômica levou embora tudo que eu tinha.”

    Iida Kunihiko, à esquerda, com sua irmã mais velha

    Uma vida marcada por problemas de saúde

    Na explosão, o corpo de Iida foi atingido por estilhaços de vidro, e as feridas levaram sete anos para cicatrizar. Ele sempre sofria de dor de cabeça e tontura, além de terrível falta de energia. Muitas vezes, apenas passava os dias deitado.

    A escola era uma luta, tanto acadêmica quanto fisicamente. Ele sempre ficava em último lugar nas corridas e não conseguia nem brincar de pular corda.

    “Meu professor me dizia que eu não era bom nos estudos, então tive que usar meu tempo livre para colocá-los em dia”, diz ele. “Nunca imaginei que fosse deixar de participar de atividades extracurriculares.”

    Contudo, Iida não desistiu e suas notas melhoraram consideravelmente. Apesar de ter sido um dos alunos com pior desempenho em uma época, conseguiu se formar como o primeiro da turma. Depois disso, teve uma longa carreira como engenheiro.

    Compartilhando sua história

    Aos 70 e poucos anos, após se aposentar, Iida começou a compartilhar a história de sua vida com turistas estrangeiros e estudantes, como testemunha oficial do bombardeio.

    “A pressão para abolir armas nucleares perdeu força”, diz ele. “Então, eu queria usar o tempo que me resta para transmitir o que realmente aconteceu. Senti uma energia crescendo dentro de mim.”

    Iida conversa com seu professor de inglês

    Atualmente, Iida faz até 20 discursos por mês. Para que possa transmitir sua mensagem de forma eficaz, ele participa de aulas de conversação em inglês com frequência.

    Um dia, Iida falou sobre as chamas que devastaram um prédio de concreto armado após a explosão. Seu professor americano respondeu, ensinando-o a usar a palavra “incinerar”.

    Iida então pegou seu dicionário, e percebeu que já havia aprendido aquele termo. Sim, o esquecimento vem com a idade. Entretanto, a idade não diminuiu nem um pouco a determinação de Iida.

    Iida Kunihiko fala com a NHK em julho

    Aproveitando o momento

    Em maio de 2023, a atenção do mundo estava voltada para Hiroshima, quando a cidade sediou a cúpula do G7. Iida sabia perfeitamente que menos estrangeiros estavam visitando o país por causa da pandemia do coronavírus, e estava desesperado para aproveitar o momento.

    Ele criou um folheto em inglês, detalhando os horrores que vivenciou. Escreveu sobre as pessoas que morreram perto do hipocentro, assim como as crianças que se tornaram órfãs como ele.

    Os líderes do G7 posam para uma foto, em Hiroshima, em maio

    Faça chuva ou faça sol, Iida procura estar sempre no Parque Memorial da Paz em seu tempo livre, carregando uma mochila cheia de folhetos a serem distribuídos aos turistas estrangeiros.

    Muitos ficam surpresos ao ouvi-lo dizer: “Sou um sobrevivente da bomba atômica”. Ele faz questão de falar devagar.

    “Eu tinha 3 anos de idade. Minha mãe e minha irmã morreram. Perto do hipocentro, tudo foi destruído.”

    “Acredito que a abolição de armas nucleares é o único caminho para a paz mundial”, acrescenta.

    Um trecho dos folhetos de Iida

    Superando a marca de 2 mil

    Iida afirma que conversou com mais de 2 mil visitantes do Japão e do exterior. E essas interações parecem estar causando uma impressão duradoura.

    “É maravilhoso ele dividir sua experiência conosco. Precisamos nos lembrar desta tragédia”, diz um visitante da Dinamarca.

    “Foi ótimo conhecê-lo aos 81 anos. Ninguém quer guerra, muito menos armas nucleares”, cita outro viajante da Austrália.

    Iida conversa com turistas da Dinamarca

    Hoje, o corpo de Iida está assolado por doenças, incluindo tumores na tireoide e no cérebro. Por mais quanto tempo ele vai continuar a atividade? Enquanto ele puder.

    “Minha única missão agora é transmitir a realidade dos bombardeios atômicos, e associá-los à abolição de armas nucleares. Farei sempre o meu melhor, mesmo que tenha que fazer menos de todo o resto.”

    Iida cria folhetos em inglês e materiais com depoimento em seu computador em casa
    Assista ao vídeo 4:05