Entrevista: Inara Chayamiti

Documentarista brasileira busca sua identidade fragmentada investigando a história de sua família
Backstories

Entrevista: Inara Chayamiti

Documentarista brasileira busca sua identidade fragmentada investigando a história de sua família

    Ewerthon Tobace (apresentador do Ponto de Encontro)
    A jornalista e documentarista Inara Chayamiti veio ao Japão para captar imagens e entrevistas para o novo trabalho, o longa-metragem autobiográfico "Onde as Ondas Quebram". Aqui ela filmou algumas cenas, fez entrevistas e encontrou familiares. O material será usado para compor o documentário, no qual ela mostra todo o processo de busca de sua identidade.

    Ewerthon Tobace, apresentador do Ponto de Encontro, foi quem conversou com a brasileira.
    (Transmitido em 29 de maio de 2022)

    O nascimento de uma documentarista

    Ewerthon: Inara, primeiro muito obrigado por esse bate-papo aqui no Ponto de Encontro.

    Inara: Ah, obrigada vocês, Ewerthon e Sonia, pelo convite. Fiquei muito feliz porque a gente ainda está no processo de produção do documentário. Quase terminamos as gravações do Japão, assim 90%, vamos dizer.

    E: E a gente está louco aqui para contar um pouco sobre esse projeto. Mas antes, Inara, fale um pouco sobre você, seus projetos e sua trajetória até aqui.

    Inara: Bom, eu comecei a minha trajetória no jornalismo. A minha escola foi a TV Folha, em São Paulo. Mas eu estudei em Londrina, na Universidade Estadual de Londrina (no Paraná). O mais engraçado é que no meu último ano de faculdade eu fazia planos para ser jornalista de texto. Mas aí no meu último ano da faculdade percebi que ninguém estava mais lendo textos. Então pensei: acho que vou ter de migrar para outra plataforma, né?

    Inara durante uma filmagem em 2015 (Foto: Randolfe Camarotto/Arquivo pessoal)

    Inara: Então comecei a pesquisar mais sobre audiovisual e me encantei com o (estilo) documentário. Então foi mais de uma década ensaiando para fazer esse primeiro longa. Eu fiz muitos curtas antes disso, trabalhei para várias organizações e empresas grandes. E no fim é isso, o que eu amo mesmo é fazer documentário, entrar de cabeça na história e no universo de um personagem. Mas eu não esperava que iria entrar na minha própria história. Isso foi uma surpresa também.

    Reconexão com a própria história aconteceu durante a pandemia

    E: Mas como surgiu a ideia de fazer um documentário autobiográfico?

    Inara: Então, não surgiu. Se você me falasse: “Inara, você vai fazer um filme que é sobre você”. Eu responderia: você está fora da realidade. Eu diria isso porque eu não esperava mesmo fazer um documentário assim. Na verdade, acho que tem umas coisas que vão acontecendo, né? Começou com um curta sobre a minha “batchan” (avó). Eu estava indo para os Países Baixos e não sabia quando eu teria essa oportunidade de estar com ela novamente e poderia demorar. Quando eu fui era finalzinho de 2019. Nem imaginava que viria uma pandemia. Então eu senti essa urgência por causa da distância. Pensei comigo: será que tomo coragem, faço umas perguntas, já faço uma entrevista, aí já fico com esse material e, de repente, dali sai um curta... Foi mais ou menos assim. Bem...é...

    E: ...espontâneo.

    Machiko — batchan (avó) de Inara (Foto: Divulgação)

    Inara: É! Espontâneo! Meio despretensioso mesmo, sabe? Até eu me ajustar na Holanda e fazer um networking, eu teria esse projeto para ir fazendo, né? Aí veio a pandemia e quem é que faz networking durante uma pandemia? Então foi também uma oportunidade de entrar de cabeça nesse projeto e acho que por isso que ele foi crescendo tanto também. E de fato, até por eu estar fora do Brasil, morando nos Países Baixos, eu comecei a me conectar mais até com a minha própria história. É por isso que eu acho que acabei entrando como personagem. Eu não estava querendo muito no começo, mas eu fui também participando. Participei do fellowship do Logan Nonfiction Program (de Nova York) e eles (professores e alunos) falavam que era tão interessante eu ser personagem. Eu disse que tinha colocado que eu seria um dos nomes, mas eles queriam saber mais. Eu acho que foi legal essas experiências de troca criativa com outros colegas.

    E: Que bacana.

    Inara: Eles foram também me fazendo ouvir a mim mesma, né? Eu ouvia o que eles me falavam, mas eu também ouvia o que eu falava para eles. Assim, fui entendendo como era relevante também entrar como uma personagem no filme.

    Desafios que se tornam um aprendizado de vida

    O pai de Inara, Kyoshi, com a avó Machiko (Foto: Divulgação)

    E: Inara, quais as principais dificuldades que você enfrentou ou vem enfrentando para tocar esse projeto do documentário?

    Inara: Olha, já foram quase dois anos de desenvolvimento. Então, são muitos momentos assim desafiadores. E uma coisa que eu fui aprendendo com o filme é que a gente planeja e replaneja, temos de ter muito jogo de cintura e flexibilidade. E acho que as situações de adversidades, muitas vezes, temos de encarar como presentes para você ver aquela situação de outra forma. Nessa viagem mesmo que a gente fez (pelo Japão), tinham vários desafios. Era a primeira vez que ia para a terra dos antepassados e nossa equipe era super enxuta. Eu não sei o nihongo, não sei japonês. Então, em vários momentos, nessas dificuldades, contei muito com o apoio da minha família e da Sarah Kimura, a produtora local do filme. Quando a gente não está entendendo a situação, é bem desafiador você dirigir uma cena, (e produzir) o conteúdo ali. Foi muito bom ter o apoio deles — da minha família e da Sarah —, que iam fazendo essas traduções. Eu acho que isso foi uma coisa bem desafiadora, mas a gente foi contornando. Acho que mais do que o desafio, eu sinto que tenho aprendido muito a contornar adversidades e tomar decisões em tempo real. Eu estou muito feliz com isso porque mostra que a gente consegue fazer (as coisas). Vamos conseguir cumprir nosso objetivo, que é estrear no ano que vem para os 115 anos (da imigração japonesa ao Brasil). Até essa coisa mesmo do visto (para entrar no Japão). A gente conseguiu o visto assim que o Japão começou a reabrir as fronteiras. Então foi muito bom.

    O inesquecível encontro com as raízes em Kagoshima

    Inara fez entrevistas com familiares no Brasil e no Japão (Foto: Divulgação)

    E: Bom e aí o que você encontrou lá (em Kagoshima) era o que você estava imaginando? Como foi esse reencontro? Reencontro não, né? Como foi esse encontro com os seus antepassados.

    Inara: Então, na verdade, eu nunca tinha pensado muito sobre os antepassados. Começou com essa coisa de me mudar para a Holanda. Tem uma história que é legal contar pois tem imagem que ficou (guardada) comigo. Quando eu estava no avião do Brasil para a Holanda, vendo as nuvens pela janelinha comecei a ver o mar, sabe? Comecei a ver o mar dos issei (japoneses da primeira geração que emigraram para o Brasil). Eu pensava como era ir para uma terra onde você não sabe a língua, o clima, a cultura, a comida, não sabe nada. Aí eu falei: Nossa! Foi o que os meus bisavôs fizeram, só que do Japão para o Brasil, né? Então eu comecei a ver as nuvens, mas ver (como se fosse) o mar, a imaginar o navio. Aí eu comecei a sentir essa conexão forte com eles. Isso não tinha ocorrido antes. Foi só daquela vez. E começou a ficar muito forte. Então essa vontade de ir para a terra de origem deles era uma curiosidade, mas ficou mais forte recentemente.

    Hideo — tio de Inara (Foto: Divulgação)

    Inara: Diferente do meu pai, do meu tio, que sempre quiseram muito ir. Inclusive, tenho um tio, o tio Hideo, que mora há 18 anos no Japão e nunca teve essa oportunidade de ir. Então, foi muito legal fazer essa jornada com ele. O meu pai não pode vir, mas foi muito bom mesmo assim porque eu fui com a minha família, especialmente o tio Hideo, que tem essa vontade muito forte. A gente foi em busca de pistas: quem eram eles (os antepassados)? O que estava acontecendo no Japão para eles terem saído? Como era a vida deles? Eles eram pescadores? O que eles pescavam? A gente tinha várias curiosidades de como que era essa vida deles. Nosso sobrenome é Chayamiti, que dizem que significa “caminho para a casa do chá". E aí foi muito legal porque a gente foi numa plantação de chá. É uma coisa linda, né?

    Inara durante filmagens em Kagoshima (Foto: Divulgação)

    E: Isso tudo em qual província do Japão?

    Inara: Então, fomos para Makurazaki, em Kagoshima. A cidade é Makurazaki e a província Kagoshima.

    E: Ah, Kagoshima!

    Inara: Então a gente foi na prefeitura atrás dos documentos, o kosekitohon (registro de família), fomos até quatro gerações (para trás). E foi muito legal porque ajudou a ter algumas respostas. Não vamos ter todas as respostas, nunca, e essa é talvez a graça da coisa também: a gente fica só imaginando (os detalhes). Ainda estou no processo de digerir tudo isso, mas sinto que foi, como meu tio falou, inesquecível. E ter feito com eles (os familiares) foi uma das motivações do filme. Acho que é me conectar comigo mesma, me conectar com a minha família, me conectar com a minha comunidade e, no fundo, é a gente se conectar com o mundo. Acho que é também isso. A busca por esse lugar de pertencimento.

    E: Exatamente! A sua história é a história de todo o imigrante, né? Eu acho que não foge muito disso e eu acho que faz a gente pensar um pouco sobre de onde nós viemos, e para onde nós estamos indo.

    Inara, ainda pequena, com o pai, Kyoshi, a mãe, Emília, e a irmã mais nova, Iana

    Filme fala de quatro gerações e dois movimentos migratórios

    Inara: E o que eu não tinha visto ainda — eu vi muita coisa, pesquisei bastante mesmo —, era (algum filme) conectando as duas imigrações, né. Não sei se alguém já fez, mas pelo que eu procurei, eu não achei nenhum filme que juntasse a ida e a vinda no mesmo filme. É um desafio muito grande realmente, porque eu estou querendo pôr em 90 minutos, quatro gerações e dois movimentos migratórios, duas diásporas. É bastante coisa, mas acho que é isso que vai também me ajudar a me encontrar no meio desses movimentos todos, de lá para cá, daqui pra lá.

    E: Com certeza! Bom, Inara, o nosso tempo é curto, mas eu não posso deixar de fazer uma última perguntinha: onde as ondas quebram?

    Inara: Vixi, tem que assistir (ao filme). Eu ainda estou procurando, né Ewerthon? Estou procurando...

    E: Legal. E para quem ficou curioso e quer assistir a esse documentário, quando e onde ele vai poder ver?

    Inara: A gente está prevendo a nossa estreia no ano que vem, durante as comemorações dos 115 anos da imigração japoneses no Brasil, que é em junho. Fiquem ligados porque tem redes sociais ativas agora e tem o site também. É isso. A partir de agora a gente entra na etapa de edição e pós-produção para conseguir lançar no ano que vem (2023). Aí vai ser muito bom pois falam que o filme só nasce quando o público assiste. Não vejo a hora.

    E: Bacana. A gente vai ficar esperando aqui, ansioso, e, quando for lançado, por favor, volte aqui no programa para contar sobre o lançamento.

    Inara: Ah sim, sim! Pode contar comigo. Obrigadão pelo convite.

    E: A gente quem agradece, Inara, muito obrigado pela entrevista.

    Inara: Arigatougozaimasu!

    Ouça a entrevista completa (10'31)